Desmistificando o Desafio Pepsi


Um dos erros mais célebres do mundo corporativo, ou do mundo do marketing, se preferirem, foi o lançamento da New Coke na década de 1980. Você se lembra deste caso? provavelmente o seu professor de marketing já deve ter comentado em sala de aula. Caso não conheça, vamos desmitificar esta estratégia bem como apresentar a versão de outros autores para o seu melhor entendimento.
No início da década de 1980 a Pepsi, maior rival da Coca-Cola, estava conquistando percentuais significativos de participação de mercado. Uma de suas estratégias mercadológicas foi o Desafio Pepsi, que consistia na apresentação de um teste cego, no qual os consumidores experimentavam (davam um gole) em dois tipos de refrigerante, sem saber qual era a marca que estavam experimentando. O teste provou que 57% dos pesquisados preferiram a Pepsi por ter um gosto melhor.
A Coca-Cola, apesar de questionar os resultados, realizou várias pesquisas que confirmaram os dados da pesquisa da concorrente. Para reverter a situação, modificou a sua centenária formula e, em novos testes, conseguiu reverter os resultados iniciais superando a rival em 7 pontos percentuais. Com a validação da pesquisa, lançou com o estardalhaço que a marca merece, o seu produto com um gosto mais adocicado nos padrões da Pepsi, a New Coke.
O resultado foi decepcionante. A grande maioria dos consumidores não aceitou tal mudança. Como poderiam modificar o sabor de seu produto tradicional? Qual o direito que uma empresa teria de mudar um produto que é um ícone dos norte-americanos, um produto que sempre esteve presente nos momentos mais marcantes da história do país? Em épocas em que o e-mail ainda não existia, a sede da companhia em Atlanta ficou abarrotada de cartas de seus fiéis consumidores, exigindo a volta da Coca-Cola tradicional.
Devido a repercussão recolheram todos os produtos do mercado e voltaram com a boa e velha Coca-Cola, agora como a tradicional - Classic. A Pepsi reagiu rápido e de forma inteligente. Enquanto a Coca-Cola era a tradicional, a Pepsi criou o slogan "O Sabor da nova geração", protagonizado por artistas e atores que simbolizavam o lado jovial da marca- lembram-se do acidente no qual o cabelo o do Michel Jackson pegou fogo? Era uma propaganda da Pepsi. A estratégia era: Coca-Cola (tradicional) para os mais velhos X Pepsi (O sabor da nova geração) para os mais jovens e descolados. Uma estratégia interessante que já comentamos em postagens anteriores.
Você deve estar se perguntando como uma empresa como a Coca-Cola, líder no mercado mais competitivo do mundo como os Estados Unidos ( e também no mundo), e uma marca ícone, pôde cometer um erro desta magnitude? Vamos ao parecer de alguns pesquisadores para entender como funcionou este processo.
Philip Graves em seu livro Por Dentro da Mente do Consumidor mencionou que o erro da Coca-Cola foi achar que os consumidores agem de forma racional em seu processo de compra. É difícil ser lógico quando pensamos em consumo, pois existem muitas variáveis que influenciam em nosso comportamento de compra. Destaca que um gole (mecanismos usado no teste cego) é muito diferente em termos de sabor do que uma lata - o sabor mais adocicado da Pepsi pode ser ótimo em um gole, mas um pouco enjoativo quando consideramos o seu uso normal, uma lata ou garrafa. E, que o gosto de um produto, sem considerar a sua marca, não é o mesmo gosto, pois a marca influencia a nossa percepção, até (ou principalmente) no gosto do produto.
Já Malcolm Gladweel em Blink - A Decisão num Piscar de Olhos argumenta que o erro foi dar um poder demasiado a pesquisa de mercado, pois os consumidores comuns dificilmente conseguem distinguir as diferenças nos dois produtos. Apenas especialistas possuem esta habilidade de distinguir entre dois sabores praticamente iguais. Também que é impossível tomar uma decisão baseada em testes cegos pois ignora o contexto. Um teste é diferente da vida real e, talvez o mais importante, a pesquisa nos moldes apresentados não demonstra as emoções que associamos inconscientemente ao produto como a marca, a imagem, a lata e até o logo vermelho. Por final, destaca que tomar um gole em um teste cego é muito diferente do consumo de uma lata.
Martin Lindstron em A Lógica do Consumo relata que em 2003 o Dr. Read Montague da faculdade Baylor de medicina realizou o mesmo teste cego dos anos de 1980. A diferença é que existia um aparelho de ressonância magnética para monitorar o cérebro dos 67 pesquisados. Os resultados foram praticamente iguais ao original, mas quando resolveram mostrar aos pesquisados o que estavam bebendo, os resultados mudaram, 75% preferiram a Coca-Cola. Com o monitoramento cerebral, duas partes dos cérebro estavam participando de um cabo de guerra entre o pensamento racional e o emocional. Neste embate a Coca-Cola venceu todas as associações positivas ligadas a marca: história, logomarca, cor, design e aroma. As lembranças da infância como as propagandas ou momentos importantes, remetem a marca. A conclusão do autor é que o lado emocional associado a Coca-Cola derrotou a preferência racional do sabor da Pepsi. E, é por meio das emoções que o cérebro codifica aquilo que tem valor - é uma marca que nos cativa emocionalmente.
E você, porque acha que o teste falhou? Acho muito interessante como as empresas possuem uma vontade visceral de mudança. Porque mexer em uma marca líder? Será que a Coca-Cola pensou que seria ultrapassada pela Pepsi? Acho que não, foi apenas a vontade de mudar. Esqueceram que todos querem parecer com a empresa líder, e que nós consumidores, sempre preferimos as marcas líderes, não é mesmo? E também, como mencionado pelos autores, não podemos desconsiderar a marca, o contexto em que a pesquisa é realizada (o adequado seria efetuar a pesquisa no ambiente em que as pessoas consomem o seu refrigerante) e a quantidade (um gole é diferente de uma lata), enfim, erros que poderiam ser evitados.

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